Saturday, September 21, 2013

Sobrevivência dos vaga-lumes*

Uma noite dessas qualquer em que já fazia calor, fui surpreendida, ao abrir os olhos para a escuridão do quarto em que dormia um sono leve e recente, pelo lampejar de um par de vaga-lumes.
Estavam ali, num dos cantos do quarto como que perdidos, presos, e cintilavam "luzezinhas" fracas e esverdeadas, o que me possibilitou concluir que eram de fato vaga-lumes. Mas seriam mesmo um par deles voando apavorados entre as paredes escuras do quarto ou foi alucinação do sono?
 - Querido olhe, são vaga-lumes em nosso quarto! Mas ele não despertou, de modo que a visão ficou somente minha, não testemunhada e misteriosa até para meus olhos abertos no escuro.
Quis vê-los brilhar mais. Olhava fixamente para aquele canto, não ousei me mexer e muito menos acender a luz; mas eles  já não brilharam. Busquei ao redor do quarto as "luzezinhas' verdes dos fantasmas da natureza mas foi inútil.  Era como se buscasse reviver um pouco mais da minha infância, tempo em que eles apareciam aos milhares e persegui-los era a brincadeira favorita na noite do campo. Eles eram capazes de espantar qualquer medo que um mato alto e um bosque de árvores embebidas na noite pudessem conter; só assim a permanência de uma criança 
urbana no campo era possível
Mas não os vi mais. Tinha aberto os olhos por acaso e aquela visão foi um misto de susto e daquela alegria infantil. Quando já não os encontrei com meu olhar, com o coração empalidecido, o sono me venceu.

numa noite quente de 2011.
*Título do livro de Georges Didi-Huberman.

Friday, August 09, 2013

Acreditar...

em mim mesma não será mesmo 
suficiente?
Acreditar na natureza mítica da 
linguagem; 
mítica, portanto mágica.
Será preciso mesmo ter um 
dogma, 
mesmo sabendo que dogmas são 
invenções humanas? 
São apenas linguagem. 
Acreditar na linguagem não é um
"apenas"
parece muito, parece tudo, mas 
parece 
ainda que não basta! 
Talvez haja mesmo algo que 
manipule nossa insignificância de 
poeira dentro do espaço. 
Algo que não pode ainda e 
talvez nunca será, 
alcançado pela linguagem.
dias de vida carioca: acordar cedo e pegar duas conduções de ida e duas de volta. Não dá nem pra tomar fotos pela velocidade e os solavancos do ônibus, além disso as janelas sempre estão extremamente empoeiradas. Comer um dia em cada lugar e caminhadas como meio de transporte.
Chuva na cidade -  Caraca-ê!
A Lapa é suja e cheia de bares. Higiene não é prioridade. A cerveja no fim do dia pode ser consumida numa mesinha miúda embaixo do toldo do boteco. Um "Bar Jeca".
As mulheres são lindas, elegantes, leves. Todos são solícitos com os forasteiros.
Santa Teresa é um lugar no tempo passado, ou pode ser também uma pintura colorida.
O Piva; bem, o Piva está completamente deslocado: Encaixotado em caixas brancas, etiquetadas e manuseadas com luvas de látex por alguém que veste jaleco hospitalar. Já é difícil ler Piva numa ilha provinciana, imagine num lugar estéril como este.
Sinto falta do cinza do concreto e dos arranha-céus espalhados para ler meu bom e velho Piva.
Por outro lado, acho que ele gostaria daquele lugar chamado a "Casa do Mago". Extremamente chamativo e incrivelmente brega, com um São Jorge gigantesco montado em seu cavalo, rodeado de espadas plantadas na lua. O Piva está no vendedor de balas que entra no ônibus, está no menino que anuncia por onde passa a combi, com o volume todos dos pulmões. Está nos doidinhos que surgem aos montes, nas favelas apinhadas. Em fevereiro. É o Piva xamânico que encontrei aqui, nesta cidade orgulho e terror do Brasil.
Hoje, sexta 13 a transportadora não chegou a tempo para a estreia do filme "Na Estrada", dirigido por Valter Salles, baseado no On the Road do Kerouac. Queria ser a primeira da turma a assistir. Não deu.
Sempre tem um doidinho feliz no ônibus falando da guerra entre a polícia e os bandidos -  e o futum!!!
Agora é papo de doidos, eles se entendem. O carioca não gosta de São Paulo.
julho de 2012. Escrito no caderno de anotações.

Friday, July 19, 2013

Contra toda a lógica
desenvolvida pelo homem
as palavras me 
silenciam
me enchem de um vazio 
sem nome.
Um absoluto nada corre
por baixo da pele
essa pele reptiliana
extra-terrena
frágil
que se desfaz a cada palavra
se desvanece no olhar
se dissipa na voz
se anula no gesto.
Rui a pele
rui a palavra
até que eu me
dissolva.

Thursday, May 30, 2013

Homem da Consolação

O homem da esquina
tão pobre quanto seu cão
não melhor cuidado
pois que o cão
tem cama, coberta
sempre comida
sempre água
rua para correr...
mas ele não corre
não foge
nem ameaçado foge

O homem tem a rua
e uma cadeira para
pensar em tudo
que não tem
em tudo
que já teve
na rua, lugar
de sua fuga
constante

O cão não foge
ele tem tudo ali
reunido na caixa
de papelão
o homem tem só
a cadeira para pensar
em tudo que conseguiu
ali naquela rua
naquela cadeira
naquele cão