Wednesday, August 29, 2007

Páginas de um diário


Publico aqui duas páginas que merecem ser transportadas para o mundo virtual ou melhor, que merecem ser lidas por quem quer que seja.


22.08.07

Lua linda, farta que cresce bem. Nem parece uma ilusão, mais uma verdade espalhada em meu olhar. Acredito na Lua. Acredito tanto nela que já está refletida no meu sonhar. Acredito nela como acredito nesta música que não vejo, nesta eletricidade que não sinto, neste baralho que é poça derramada do universo pelas minhas, pelas suas mãos, um jogo para acreditar. Como a criança que vive sua brincadeira, brinco com um jogo chamado vida.

Terá virado mesmo um jogo? Quem joga? Quais são as peças? Nos confundimos, não é mesmo?

Devo criar ficções. A vida real é tão repetitiva! É um dormir e acordar, e dormir e acordar todo o santo dia! Deve haver uma nova idéia para mim. Como uma pedra no meio do caminho que me chame a atenção. Devo fazer um a ficção. Vou chamar Sofia, Virgínia e Evaristo, bons amigos para um conversa de bar, falando de suas dores. E na hora do horror, cantam a beleza como se quisessem hastear a bandeira da esquerda, do avesso, do diverso.

Sofia é do avesso, Virgínia é do correto, Evaristo do exagero e eu, a casa deles. Casa de passarinho.

Hoje celebro o beijo. Mesmo assim não dei beijos de amor.


23.08.07

Estou vazia. Transbordei. Parece que tudo que havia aqui dentro deste coração do tamanho do mundo transbordou. Sei que sempre há mais, é só apertar forte. Mesmo assim sinto, estou vazia, leve, transparência normal. Hoje tiraram um raio x do meu tórax, tão inumano naquela foto negativa, plástico-laudo necessária para a burocracia de todos os dias. Vazei no raio x. Disseram que meu coração reluzia e meu pulmão era lúcido. O branco genérico liquido mãe, sai do meu ventre que não é filho. Mas é igual. Todo filho sai e vai embora. Tudo vai vazando, lacrimejando, escorrendo, transbordando deste corpo que se liquefaz e sai de si. O escrito inteiro na página.


Ibriela Bianca

Monday, August 20, 2007

ESCOLHAS

Escolhi as palavras e os silêncios. Dentre tantos que escolhi, estes foram os melhores. Escolhi os extremos de cores e luzes explodindo...cegueira, os exageros e inundações que doem, poluem, inventam, porque há muito ainda que ser inventado, sujo e doloroso.
Fumei a minha última angústia. Fumei afetos.
Estou repleta de tanto e ainda é tão pouco.
Escolhi a mistura líquida do amor e mesmo que arda, não troco.
Escolhi penetrar absurdamente no mundo do outro que é um pouco de mim, um mapa de mim, caminhos para o lugar certo.
Fumei a ânsia que mastiga minhas entranhas, fumei tudo, até o último anel de fumaça. Daí me senti tão bem e sossegada que logo quis acender outra.
Fumei teus cabelos, teus dentes, teu sexo. Fumei a lembrança achando que era saudade, só notei que era lembrança porque ela voltou.
Ela sempre volta.
Só compartilho vidas e parece que tudo na realidade é diferente. Quando olho de perto, há ali um deserto sertanejo que só se expande, que é pardo, que não tem salvação.
Mas não há só deserto. Haveria sim se o mundo fosse um deserto, um Saara, um Atacama, um Gobi, Antártica...Marte.
Quando olho de perto, atrás do olhar, vejo flores e mares e fogo, o olho de um furacão; Barcelona, Roma e Pompéia, no presente e no passado de terror cravado nos olhos de quem viu Versuvio uivar.
E como uivam os vulcões de cada outro. O meu que só eu sinto, uiva mais.
Achei feio chamar alguém de outro, mas agora não tenho saída pois o alguém é incógnito e o outro é aquele imediato a mim, que relacionado a mim está perto, e de mim recebe toda a atenção.
Poderia apaixonar-me pelo outro mas prefiro não. Isto implicaria em sentir uma dor de que já estou gasta. Escolhi amá-lo. De um amor imaculado, guardado na lista das coisas que amo mais. Depois não sei. Guardo este amor que para mim vale, valeu, valerá quando chegar a hora de olhar para trás.
E onde posso me guardar se minha casa é como uma concha, como uma casca de tartaruga onde não entro? Minha casa será o oceano. Virarei coisa, peixe, palavra.
Minha palavra escrita fica bem mo meio da linha, como carne espetada. A palavra é a carne e a pauta a espada. Se isto é vida ou morte, ou vida com dor e depois morte, ou vida com dor e depois vida, é a coisa palavra que decide. E eu fico aqui, seguindo ordens.
Esta é uma nota de expiração. Inspirei, inspirei, inspirei tanto que inflei como um balão e antes de estourar...escrevo.

Wednesday, August 01, 2007

Folhas e Sono

Escrever uma nota bonita sem sujeito
cheirando a poesia e soando como Puccini
salva a vida de quem precisa,
de quem mora na danação.
Escrever o Mar, o Céu e esta praia longe
onde o azul tem mais outras cores
é ser e estar sem sujeito.
João Cabral transformado em voz e olhar
viajando numa flecha derramada
pois é líquido o amor,
e a lembrança que dói e sorri.
Escrever é coisa da mão que está para a natureza da folha,
caída folha de inverno faz nua a árvore
veste de pardo o chão.
É também um exagero, um transbordamento
não cabe no ser miúdo das coisas.
Não cabe naquela moça tanta beleza
nem tanta certeza no meu coração.
O vento sabe o que faz.
Tem um plano secreto e leva com ele
quem se transforma em migalha.
Conheci a praia do Sono
uma preguiça só
lá me transformei em migalha.
Lá, cães e corpos curtem dias e noites infindáveis
é lá onde mora a eternidade.
Migalhas de eternidade levadas pelo vento
me aparecem com teu beijo
e o sol e os cães e eu, que não sou mais nada que solidão
esperamos preguiçosos o meio olhar da lua