Sunday, September 30, 2007

DO ABJETO À BELEZA NA FOTOGRAFIA DE JOEL-PETER WITKIN


Joel-Peter Witkin

“(...) the relation of the Other to me would tend to appear as sadomasochistic, if it did not cause us to fall prematurely out of the world – the one region where “normal” and “anormaly” have meaning.”
Maurice Blanchot
The writing of the disaster


Fotografia, momento eternizado, cristalizado pela lente e pela luz da modernidade. O flash na essência efêmera de um sorriso, de uma lágrima, de uma tragédia, desenha uma trajetória utilitária, com a fotografia de propaganda e popularização política, ou humanística, transformando-se em objeto artístico e pessoal. Imagens que acabaram tornando-se arquivo histórico, referências para a arte contemporânea. Desde o séc. XIX tem-se desenvolvido esta estranha tecnologia de reproduzir as imagens tal qual vemos pela entrada de luz por um pequeno orifício numa caixa preta. O que não cessa jamais de evoluir. Hoje parece que a fotografia impressa virou artigo de galeria. O álbum como nossas mães faziam, ficou como recordação de décadas passadas, digitalizado para que não seja comido pelas traças. Representar virou obsessão. Como diz Márcio Seligmann-Silva “queremos registrar o instantâneo do grito, registrar o temor visceral, o frio na espinha, nosso grito de horror primevo”. Em nossa cultura de traumas e recalques, a fotografia passa a ser concebida como um “traço do real” e não mais como a definição de espelho do real, ou por uma ótica romântica, como transformação do real.
Mais do que falar de fotografia, quero falar de suas provocações. Como a escritura, a fotografia não se configura na ingenuidade, e se se configurou, foi material somente de álbum de família. Ela vai de encontro certeiro exatamente no ponto visceral do recalque. Desde querer dizer alguma coisa, ou denunciar crueldades, provocar tumultos e revoltas até reproduzir a imagem pela imagem, experimentos com a própria fotografia como obra de arte, esta técnica muito se transformou carregando o olhar do expectador de um solo inundado de signos até o sertão completo da abstração.
Uma das fotografias que mais me provocou nos últimos tempos foi esta:


O Beijo (1982)

Primeiro a fotografia, depois o fotógrafo me ajudaram a pensar em questões como o abjeto, a beleza do horror, e o corpo como material para a obra de arte. Não se trata mais de usar o corpo como referência, como performance, a action painting de Jackson Pollock, a body art tribal ou dos estúdios de tatuagem contemporâneos, é o corpo material. Nada de tela, tinta, madeira ou bronze. É o corpo. “A base sobre a qual se desenvolveu e se assenta o discurso simbólico da linguagem” (como diz KRISTEVA 1980: 87 apud SELIGMANN-SILVA) O corpo abandonado, mutilado, estranho aos olhos de quem vê beleza no padrão comum, o bizarro.
O fotógrafo nova iorquino, nascido em 1939 de pais religiosos, utiliza cadáveres e pessoas com anomalias como manequins de suas composições. Para Julia Kristeva o “cadáver, que vem do latim cadere, cair, tornou-se irremediavelmente uma queda, é dejeto, é morte; ele perturba mesmo aquele que confronta sua fragilidade e flacidez”, “é a poluição fundamental; um corpo sem alma” (KRISTEVA, 1982:3 & KRISTEVA apud Seligmann-Silva, 2005:39). O fotógrafo prefere o que se chama de feio e repugnante, e o cadáver, manifestação privilegiada do abjeto. Apresentado em estética mórbida, elucida a dicotomia horror X beleza; o paradoxo da morte, em pedaços, em fluidos que ultrapassam a barreira frágil da vida no corpo, lábios cinzas e coroa de flores em plena cor.

Harvest - Death Mask 1986

Neste trabalho de 1986, a máscara da morte adornada de raízes, folhas e frutos compõe no cocar de um índio uma natureza morta, estudo de trânsito livre dentre artistas como Cézanne, Van Gogh, Caravaggio, Miró, entre outros, que Witkin repete adicionando a representação própria da morte. O corpo em pedaços.

Still life

Já não bastasse o corpo abjeto cadavérico, ainda estilhaçado transportado para onde ao certo não estaria, torna-se objeto de beleza e perplexidade.
A beleza para Lyotard ( no ensaio The Inhuman), demanda mais do que somente respeitar as regras de composição, ela requer um “algo a mais” anterior, também chamado de gênio ou algo incompreensível e inexplicável, um presente de Deus, um fenômeno fundamentalmente escondido que pode ser reconhecido somente pelo efeito naquele a quem se endereça.
Tal beleza se apresenta ao menino que vê os úmidos olhos de uma recém morte, a vida numa cabeça decapitada. Talvez tenha sido esta a imagem emblemática que povoou o imaginário de Witkin desde que viu a cabeça de uma grota rolar aos seus pés após um acidente em frente à porta de casa.



Cito o próprio: “aconteceu num Domingo quando minha mãe estava acompanhando meu irmão gêmeo e eu para fora do apartamento onde morávamos. Estávamos indo à igreja. Enquanto descíamos o hall até a saída do prédio, ouvimos uma inacreditável colisão misturada com gritos e chamados por socorro. O acidente envolveu três carros, cada qual com uma família. De algum modo, na confusão eu não estava mais segurando a mão da minha mãe. No lugar onde eu estava, pude ver algo rolando de uma da fendas dos carros. Aquilo parou no meio-fio à frente dos meus pés. Era a cabeça de uma garotinha. Eu me abaixei para toca-la, para falar com ela, mas antes que eu pudesse toca-la alguém me tirou dali.”

O rosto da garotinha, ainda quase viva, ali aos pés de outra criança pode ter-lhe parecido curioso e até belo. Atrevo-me a dizer que nesta experiência do abjeto, Witkin assegura cuidadosa e paradoxalmente a beleza. Para Julia Kristeva: “não é a falta de limpeza ou saúde que causa o sentimento de abjeto, mas o que incomoda identidade, sistema, ordem. O que não respeita fronteiras, posições e regras” (Powers of Horror, 1982). Transgressor? Pode ser, mas sem militantismo piegas. É a arte do horror em busca do prazer da beleza.

Interrupted reading in Paris, 1999

Beleza e prazer. Aristóteles já dizia que temos prazer em contemplar a representação de cadáveres e bichos desprezíveis, e é neste prazer onde a obra de Witkin opera e move-nos a sentir o pavor, o sublime sensualista de que fala Burke. Diz ele que, cito: “tudo que seja de algum modo capaz de incitar as idéias de dor e de perigo, isto é, tudo que seja de alguma maneira terrível ou relacionado ao terror constitui uma fonte do sublime” (BURKE apud Seligmann-Silva:2005).

Arranhões e cera quente para a fotografia, faz a face envelhecida, cuidados de sensibilidade atormentada pela guerra, transferida da lente para o filme e para a revelação abaixo dos pés do oficial. O fotógrafo faz intervenções tanto nos negativos quanto nos corpos e vai poluindo, desgastando, desfocando; etapas agressivas necessárias para o efeito final.


Woman once a Bird

O feio ajuda despertar o horror que é necessário para a experiência do sublime e do abjeto, que se transferem na modernidade. O hermafrodita, o obeso mórbido, o aleijado, o mutilado, amordaçado, desfigurado, compõem esta galeria de modelos posando em cenários românticos e mórbidos. Embora os grandes pintores da história buscavam limpar a postura artificial de seus modelos, Witkin parece perseguir o personagem artificial de um modelo vivo, ou morto. São de fato dramas num palco forjado. O teatro do necrotério sadomasoquista representa imagens conhecidas.


Leda

A mitologia é também tema freqüente neste teatro freak.



Satiro

À medida que a forma determina a realidade, o corte ou a deformidade passa a ser a representação do absurdo, do desastre. Neste ponto, o olho do artista desvela as imperfeições buscando nas formas carnavalescas e até circenses do horrendo, provocar o tão desejado sentimento sublime por onde a arte transita livremente.
No ensaio intitulado o Inumano, Lyotard diz que “as imperfeições e distorções do gosto e até da feiúra têm seu espaço no efeito chocante. Arte não imita a natureza, ela cria um mundo à parte (...) o monstruoso e o deformado têm seus direitos porque podem ser sublimes” (LYOTARD, 1991:97).
Por outro lado, vem a obsessão pela purificação do abjeto. Uma certa perseguição pela salvação destas almas danadas na blasfêmia. A boa piedade alheia, jogaria-se ao limbo para ser a luz dos que vivem no breu do castigo divino. No ensaio, O Local da Diferença, Marcio Seligmann-Silva explica que contra Platão, “Aristóteles afirmava que a mímeses trágica tem o poder de depuração das emoções de piedade e de temor, e dentro da perspectiva da teoria poética clássica, o abalo – em termos conceituais, o movere – provocado pela representação de cenas chocantes, que geram pena e medo, poderia ter uma conseqüência tanto prazerosa quanto útil”.

Adan and Eva

Sobre o mesmo tema, Kristeva argumenta que “as várias maneiras de purificar o abjeto – as várias catarses – compõem a história das religiões e acabam com a catarse por excelência que é a arte, de lados, tanto longe quanto próximos da religião.” Por este mesmo prisma, as experiências artísticas que são enraizadas pelo abjeto, se expressam e pelos mesmos símbolos acabam se purificando o que parece um componente essencial da religiosidade, a redenção. Pessoalmente, vejo esta tentativa na fotografia de Witkin. Não na perspectiva que tange a moral religiosa, mas pela óptica de sacralizar o profano via busca da beleza e também profanar o sagrado, via citação. Meramente como trabalho artístico.




Glass man

Quando Witkin esteve no México trabalhando na imagem “Homem de vidro”, encontrou dificuldades em encontrar o corpo ideal. Após três tentativas, o quarto corpo que lhe trouxeram era o de um punk, única informação que teve sobre ele. Teria que saber-lhe ao menos a causa da morte e foi junto de seu intérprete ao necrotério para a autópsia. Os dois, observando atentamente todo o procedimento, notaram que abandonado na mesa, o corpo autopsiado e suturado, começa a mudar. Conta Witkin em entrevista com Michael Sand da revista World Art /96: “Ele está na mesa e começa a se transformar. Volto-me para falar com meu intérprete que é um homem muito inteligente, e ambos vimos o mesmo. E ele me disse: “estão fazendo o juízo dele neste momento”. De repente deixou de ser um punk. Diante de nossos olhos sofreu esta transformação na mesa de autópsia. (...) Quando me devolveram, coloquei-o numa cadeira e tirei algumas fotos ali sentado. Logo passei uma hora e meia com ele até que o vi como São Sebastião. Parecia uma pessoa elegante. Seus dedos, eu juro, haviam crescido 50%. Eram elegantes. Eram os dedos mais alongados que jamais havia visto em um homem. Parecia que desejavam alcançar a eternidade”.


Joel-Peter Witkin começou a fotografar aos dezessete anos, quando resolveu fazer o retrato de um rabino que afirmava ter visto e conversado com Deus. Desde muito pequeno, sempre incentivado pelo pai que lhe mostrava fotos “estranhas” de revistas. Entre as várias experiências incomuns foi o exército com a missão de documentar as mortes acidentais ocorridas nos treinamentos militares.
Recebeu o titulo de Master of Arts pela Universidade do Novo México em 1976.
Quando fez sua primeira exposição individual em 1980, em Nova York, recebeu elogios extremados pela profundidade temática de sua obra, calcada nos temas da dor e da morte e apoiada por referências clássicas. Mas também foi atacado como sensacionalista, despudorado, blasfemo e outros adjetivos menos respeitáveis. Hoje vive e trabalha em Albuquerque – Novo México.












































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































































Wednesday, September 05, 2007


Estamos no espaço rejeitado, querendo estar em outro lugar. Gota d'agua na minha boca. Sinto meu lugar com o poder do corpo. Este mesmo que nos enclausura. Mais um gole. Sede eterna de todas as gargantas. Caixa de Kellogg's no chão, caixa do presente, da surpresa, caixa do resto. Está tudo abandonado ao chão do apartamento de um quarto no cortiço central do coração dela. E cada caveira que foi uma vida, pronuncia seu nome esmagado entre os dentes de maxilares imóveis. Todos iguais. Guardam as cinzam que serei um dia. Hei de me libertar desta morada inóspita. Corpo, caixa, coração.
Kasimir MALÉVITCH 1878-1935
Composition : Blanc sur blanc, 1918 ?

Wednesday, August 29, 2007

Páginas de um diário


Publico aqui duas páginas que merecem ser transportadas para o mundo virtual ou melhor, que merecem ser lidas por quem quer que seja.


22.08.07

Lua linda, farta que cresce bem. Nem parece uma ilusão, mais uma verdade espalhada em meu olhar. Acredito na Lua. Acredito tanto nela que já está refletida no meu sonhar. Acredito nela como acredito nesta música que não vejo, nesta eletricidade que não sinto, neste baralho que é poça derramada do universo pelas minhas, pelas suas mãos, um jogo para acreditar. Como a criança que vive sua brincadeira, brinco com um jogo chamado vida.

Terá virado mesmo um jogo? Quem joga? Quais são as peças? Nos confundimos, não é mesmo?

Devo criar ficções. A vida real é tão repetitiva! É um dormir e acordar, e dormir e acordar todo o santo dia! Deve haver uma nova idéia para mim. Como uma pedra no meio do caminho que me chame a atenção. Devo fazer um a ficção. Vou chamar Sofia, Virgínia e Evaristo, bons amigos para um conversa de bar, falando de suas dores. E na hora do horror, cantam a beleza como se quisessem hastear a bandeira da esquerda, do avesso, do diverso.

Sofia é do avesso, Virgínia é do correto, Evaristo do exagero e eu, a casa deles. Casa de passarinho.

Hoje celebro o beijo. Mesmo assim não dei beijos de amor.


23.08.07

Estou vazia. Transbordei. Parece que tudo que havia aqui dentro deste coração do tamanho do mundo transbordou. Sei que sempre há mais, é só apertar forte. Mesmo assim sinto, estou vazia, leve, transparência normal. Hoje tiraram um raio x do meu tórax, tão inumano naquela foto negativa, plástico-laudo necessária para a burocracia de todos os dias. Vazei no raio x. Disseram que meu coração reluzia e meu pulmão era lúcido. O branco genérico liquido mãe, sai do meu ventre que não é filho. Mas é igual. Todo filho sai e vai embora. Tudo vai vazando, lacrimejando, escorrendo, transbordando deste corpo que se liquefaz e sai de si. O escrito inteiro na página.


Ibriela Bianca

Monday, August 20, 2007

ESCOLHAS

Escolhi as palavras e os silêncios. Dentre tantos que escolhi, estes foram os melhores. Escolhi os extremos de cores e luzes explodindo...cegueira, os exageros e inundações que doem, poluem, inventam, porque há muito ainda que ser inventado, sujo e doloroso.
Fumei a minha última angústia. Fumei afetos.
Estou repleta de tanto e ainda é tão pouco.
Escolhi a mistura líquida do amor e mesmo que arda, não troco.
Escolhi penetrar absurdamente no mundo do outro que é um pouco de mim, um mapa de mim, caminhos para o lugar certo.
Fumei a ânsia que mastiga minhas entranhas, fumei tudo, até o último anel de fumaça. Daí me senti tão bem e sossegada que logo quis acender outra.
Fumei teus cabelos, teus dentes, teu sexo. Fumei a lembrança achando que era saudade, só notei que era lembrança porque ela voltou.
Ela sempre volta.
Só compartilho vidas e parece que tudo na realidade é diferente. Quando olho de perto, há ali um deserto sertanejo que só se expande, que é pardo, que não tem salvação.
Mas não há só deserto. Haveria sim se o mundo fosse um deserto, um Saara, um Atacama, um Gobi, Antártica...Marte.
Quando olho de perto, atrás do olhar, vejo flores e mares e fogo, o olho de um furacão; Barcelona, Roma e Pompéia, no presente e no passado de terror cravado nos olhos de quem viu Versuvio uivar.
E como uivam os vulcões de cada outro. O meu que só eu sinto, uiva mais.
Achei feio chamar alguém de outro, mas agora não tenho saída pois o alguém é incógnito e o outro é aquele imediato a mim, que relacionado a mim está perto, e de mim recebe toda a atenção.
Poderia apaixonar-me pelo outro mas prefiro não. Isto implicaria em sentir uma dor de que já estou gasta. Escolhi amá-lo. De um amor imaculado, guardado na lista das coisas que amo mais. Depois não sei. Guardo este amor que para mim vale, valeu, valerá quando chegar a hora de olhar para trás.
E onde posso me guardar se minha casa é como uma concha, como uma casca de tartaruga onde não entro? Minha casa será o oceano. Virarei coisa, peixe, palavra.
Minha palavra escrita fica bem mo meio da linha, como carne espetada. A palavra é a carne e a pauta a espada. Se isto é vida ou morte, ou vida com dor e depois morte, ou vida com dor e depois vida, é a coisa palavra que decide. E eu fico aqui, seguindo ordens.
Esta é uma nota de expiração. Inspirei, inspirei, inspirei tanto que inflei como um balão e antes de estourar...escrevo.

Wednesday, August 01, 2007

Folhas e Sono

Escrever uma nota bonita sem sujeito
cheirando a poesia e soando como Puccini
salva a vida de quem precisa,
de quem mora na danação.
Escrever o Mar, o Céu e esta praia longe
onde o azul tem mais outras cores
é ser e estar sem sujeito.
João Cabral transformado em voz e olhar
viajando numa flecha derramada
pois é líquido o amor,
e a lembrança que dói e sorri.
Escrever é coisa da mão que está para a natureza da folha,
caída folha de inverno faz nua a árvore
veste de pardo o chão.
É também um exagero, um transbordamento
não cabe no ser miúdo das coisas.
Não cabe naquela moça tanta beleza
nem tanta certeza no meu coração.
O vento sabe o que faz.
Tem um plano secreto e leva com ele
quem se transforma em migalha.
Conheci a praia do Sono
uma preguiça só
lá me transformei em migalha.
Lá, cães e corpos curtem dias e noites infindáveis
é lá onde mora a eternidade.
Migalhas de eternidade levadas pelo vento
me aparecem com teu beijo
e o sol e os cães e eu, que não sou mais nada que solidão
esperamos preguiçosos o meio olhar da lua

Saturday, June 09, 2007

em bolhas pelo alheio

A vibração barulhenta, abrupta e repentina do telefone (me) fez voltar à realidade num susto.
A realidade sem sustos de todos os dias, de fatos periféricos que acabam nem se inscrevendo na História.
Acordei de um sono intenso onde engolia palavras como combustível para o pensamento abstrato. Fui abstraindo, abstraindo minha condição humana, mulher, caindo nas garras de uma besta multifacetada que eu via figurada naquele texto. Era um medo; uma metamorfose. Transformara-se num espelho completo, a imagem: estilhaços.
A floresta imensa que tudo metamorfoseia. Primeiro meu cheiro. de gota a gota se transforma. Não reconheço. Fui me perdendo num cheiro que de tão íntimo, virou alheio; o gosto e a temperatura do alheio.
Fundindo em mim o som da selva, a água da selva, a cor da selva e já não era mais eu, acabou de ser eu. Eu estava muito minúscula para que coubesse tanto do alheio em mim e fui em bolhas passear pelo mato do mundo.

Wednesday, May 23, 2007

CÉU

E você me fala de Deus
e da vida contida no peito
você me fala do diminuto
iluminado que habita em cada um
e que acredita no Ser Humano.
Você me fala do medo da morte
pois tens planos
planos graves em esforço e tempo.
Fala da minha carne sagrada
e se cala quando está em mim.
Eu lhe digo que aí está o Deus
aí a vida se expande pelo corpo
e lhe falo em acreditar no agora
no peixe do ar que a lua prateia
que a estrela estreleia.
Viro sagrada no seu corpo
na sua boca infinita
desintegrada, desaparecida
no silêncio absoluto e sábio
de toda a criação
pois a vida insiste.

MAR

Liquefeita em tua água
eu me abandono
é que o furta-cor movimento
é do mar a face
Esparramada em prata reflexo
pois essa fervura
turva e torta acaba fundindo
o que de sólida eu era
Fui sólida sim
insone, racionalista, sólida
e de tanto fugir acabei
por perder meu caçador
Virei água e escorreguei
Sou gota de orvalho
Sou represa aberta

Saturday, May 19, 2007


menina do anel no dedo do pé
brilha uma estrela no teu passo
passa e eu olho
sinto teu brilho com meu nariz
e minha boca
menina estrela
lua meia
meio doido assim de longe


gosto tanto desses sorrisos
soltos ao acaso para ninguém
sorrisos que têm raízes
no solo fértil do coração
brotam largos
brilhantes e
descompromissados



Tuesday, May 15, 2007


"shoes - 1888"

uma revoada de passarinhos cruza meu caminho
será eu que estou com os pés no céu
ou eles com as asas no chão?

Sunday, May 13, 2007


cinza fresco num gole de vinho
voz doce da moça doce
canta doce pra eu entrar
num sonho morno
hoje é dia bom de ser domingo

Tuesday, April 24, 2007

traje retrô

Preservice
Overservice
Unservice
não servilismo
sem acordo
vamos celebrar
com blackout
dá pra ver
todas as estrelas
a moça de baixo
reclama
a luz voltou
que pena
já que não posso
estar lá
fico aqui mesmo
o Preservice para
a Macedônia
tão longe que minha
imaginação nem alcança
imagino uma visita à
São Paulo
Seu Paulo vai gostar
do meu jantar
juntar os dias
todos na mala
e daqui vou
pra lá
ir pro museu
ver um show
e comer no Bexiga
dar uma vasculhada
talvez encontre
Mário
ou até o Modernismo
sem casa
num traje retrô
mendigando poesia
pelas ruas do
super-giro capital
non-black-out

praia mar amor

Lua marinha brilha num sorriso
longe e fácil
pra infantilizá-la: uma gota de drama

O ibisco incolor mergulha na'reia
sob nossos pés
um quando é eterno
na aventura do sem rumo
praia, mar, amor e tudo bem

Fomos furando o lusco-fusco
do dia que ficou velho
aos olhos.
Fogueira de sol lá atrás dos montes
tato de gato para saber o que pisar
Eu corro de vagarinho para
não perder a hora

A hora na eternidade é muito rápida
mas tudo bem, há
praia, mar, amor
praiamaramor

pra iamaramor

prai amaramor

praiama ramor

praia mar amor

nus na noite

Saturday, April 14, 2007

O silêncio do grilo

A Lua faceira
personagem primeira do quadro deste quarto
vê tudo.
Talvez veja rápido, um susto de momento.
Momento pleno
cheinho de transcendências.
Nosso tema é pele, fricção, calor.
A água de mim
a água do tapete
a água do copo
Fomos feitos de fala, estalos mentais
e poesia.
Deslize num texto que revela múltiplas esferas
pulamos de uma para a outra
bolha macia e límpida dos bons encontros.
Encontro em mim, pulso em mim.
E se vejo a imagem curiosa do teu silêncio,
tenho pressa!
Busco ver-me no espelho
da cara raspada a cada dia da semana,
a cada passo.
Milésimo olhar luminoso que não deixa a noite
ser toda noite;
Milésimo raio silente entra estreito pela janela;
Milésimo som que cala o grilo denunciante
da fadas.
Milésimo toque esculpe o corpo pronto;
Milésimo segundo que a lua nos olha
sem curiosidade e nem juízo
sem apagar o sorriso faceiro
sem vergonha, olha
e só olha.

Três cores do Cinco

Caminhei com muita, muita pressa.
Toda sorte de idéias insistentes estavam ali, num cutuque interminável, insuportável.
Inebriada no devaneio encontrei umHierofante lindo!
Tinha uma estrela no peito.
Cinco pontas revelavam o que outrora havia sido um menino.
Levava um cajado de três esferas em sua mão direita.
Três Alephs que mostravam ali o completo universo;
as três eras, o sim, o não e o entre.
O Hierofante me contou sim, sobre cada uma delas.
Falou da esfera vermelha onde tudo acontece para configurar os homens
sendo esta a primeira, a do exterior
onde se dão os nomes e as formas.
Muitas vezes opressora
quase sempre onde a servidão é engolida pelos milhares de Minotauros
que são muito mais homens, canibais.
Falou-me também da esfera negra;
a mais complexa e paradoxal.
Aquela que contém o tudo e o nada, o zero e o menos um.
Onde nos perdemos e nos encontramos infinitamente,
o que configura o templo interno, profundo e enigmático das paixões
que nunca conseguimos desvendar,
é que nos pede para ser deste jeito, assim.
E para o fim do começo, me contou sobre a esfera que é um azul,
onde a história é contada.
Uma esfera mais de ontens do que de hojes.
Lá, as outras duas se encontram.
Formam as linhas de pensamento que a cada tempo
um homem quis dar um nó para iniciar outra costura.
Alí há guerra, tortura, insanidade, o abjeto, o feio, o resto, a arte, o holocausto.
Ali estão as trajetórias dos pensantes, dos inconformados, dos sábios e dos errantes.
Ali está a filosofia que pinta os óculos dos viventes,
que sejam flâneur entre a gente ou
apenas um voyeur do lado de fora do cajado trisférioco,
da trindade humana que carrega Hierofante.
Não falamos de infinito, assim era o momento
não há como falar do momento vivendo ele.
Minhas reminiscências escoam para um beco onde há o todo.
O Hierofante esteve intensamente dentro de mim
e a ele dei-lhe minha melhor parte.
Percorremos do vermelho ao azul, ao negro,
ao vermelho, ao negro, ao azul, ininterruptamente.
Apresentou-me ditadores, artistas e loucos
no curso da intensidade do deslize pelo corpo
templo maravilhoso abandonado à natureza.

Thursday, April 05, 2007

Um dia mais Lindo

Hoje acordei com olhos de beleza
cabelos de vento e pele de fruta.
Meu corpo sentia todo como um
rio sinuoso e forte
correndo silencioso
por entre o barulho rápido
da pequena parte da civilização
onde agora existo.
Agora existo!
Vivo, porque encontrei
claro pulso no teu olhar
escuro e profundo
que me contempla como
o rio sinuoso e fundo
imagem de mim.
Você, meu carinho
eu, teu fogo
nos desvendando
palmo a palmo
beijo a beijo
carne a carne.

Wednesday, April 04, 2007

Olhinhos de Bicho


O bem-te-vi lá
de cima da antena
disse que me viu
aqui bem escondida.
Ele bem que me viu
na hora errada
quando em vez de me concentrar
me distraía.
Acordei do devaneio azul
quando disse num pio
que eu estava alí
contemplando
o espaço vazio.

Friday, March 23, 2007

Praia de Outono

O mar vem quebrando
e
n
v
i
e
s
a
d
o
luz, sombra e movimento
um capricho do vento

nesta tarde ensolarada
me entrego ao ócio
pesada

brisa na pele é sonho
aqui dentro escuro
lá fora pensamento

me de a delícia de um dia
lindo de solidão
um pouco de ar
um pouco de chão

Tuesday, March 20, 2007

Esconderijos miseráveis

Quando a ultralógica deste escuro te separa de tudo, estás fora;
Quando tens o cérebro do tamanho do planeta e tua tristeza é do tamanho do planeta;
Quando tua garganta molhada de álcool, tráfico e drama, dramas acadêmicos, chatices administrativas, queres tua casa;
Quando tens a casa dentro do corpo, peito que salta, busto clássico, queimado por chamas de vulcão, sem música, sem mística;
Quando tosse teu peito respira curto, esfumaçado, afogado neste maço vagabundo;
Quando sonhas com Woody Allen tocando trompete num bar em Nova Iorque, lembras que estás em Florianópolis;
Quando enterrado em alucinações coloridas, vem Cruz e Sousa dizendo que desistas, pois teu futuro não tem nome, nem simbolista nem surreal;
Quando ficas ouvindo intelectualóides falando de Godard, James Joyce e Big Brother, fazes de conta que está entendendo e concordas com tudo que dizem, somente para fazer parte; patético;
Quando chegas num estranho churrasco sanguinolento e libidinoso, promovido pela sociedade secreta dos perdidos em Bosch, ela ainda se importa!
Quando tudo e todos são muito insuportavelmente chatos, repetitivos e superficiais de mais em seus radicalismos;
Quando entendes que a cerveja que tomas paga aquele fulano armado que nem conheces e que dizem talvez possa te proteger;
Quando teu coração ébrio insiste em te esconder de ti mesmo, porque sabes que tu não consegue entender os anjos guardados por todos os cantos;
Quando vendo pouco, vivendo pouco, bebendo o suficiente para ser perseguido por Freud, você é salvo pela caneta daquela mulher gostosa e pelos guardanapos do boteco decadente;
Quando escrevendo frases indecentes você acha que pode escapar de Moloch, da tua incerteza e dos engasgos nessa tua garganta enrugada mais a mais a cada dia;
Eu sonso, trabalho pelas tuas viagens que meu sorriso consente.

por Evaristo Tanon

Friday, February 23, 2007

Eu vi

Vi Agonia
andando de um lado
a outro da janela
descalça.
Vi Insônia
piscante em luzes vermelhas
passando pelos cabelos
um pente
repleto de dedos
que apagam a luz
e morrem amortecidos
entre os dentes.
Vi Agonia
de pijamas.
Marchando de um lado
a outro do espelho, ainda
descalça
na penumbra.
Vi Insônia me beijar e
Agonia me apertar
suspirante
me trouxeram o delírio
e amordaçado me entreguei
levaram tudo
meu corpo despido,
e meus olhos
duas janelas vazias.

Sunday, February 18, 2007



Os cheiros lá de fora, a música que na minha língua não entendo, a garota que canta a outra que cala, e eu nas palavras de Borges me perco em pensamentos. Pensamentos de possíveis amores, de amores impossíveis, dias atrás que não são mais, esculturas da senzala, agudeza da fala, a tatuagem de Escher que ainda não beijei; o único encontro suado, apertado entre um minuto e outro, lindos olhos em tom de sol que eu cantei por uma madrugada-manhã. Meu coração bate porque assim é mas sem paixão.
Sigo só.
Amando tudo e nada, mascarada.

Tuesday, February 06, 2007

Lufadas de vento
Esquentam meu pensamento
Aquela lua cheia nao foi só
Clara e linda
Nos teus olhos lindos.
Nos tons em dó
Que eu canto
Presente do acaso vindo
No acaso ido
Fizeram de um dia
uma noite
Madrugada e amanhecer
Sem adormecer
Inesquecíveis
Nos teus olhos lindos
Alegres de garoto.
Sem jeito
Teu jeito com o meu
Encaixa
Meu esconderijo
Difícil de encontrar
Tem na chave um sorriso
Abrir a caixa
Do inesquecível
Assim foi aquela noite
Presente do acaso.